texto de Alexandre Lemos Avelar / @sludgefactory
17 de Julho de 2017. Para a maioria das
pessoas, um dia comum. Para os cidadãos de Atlanta, nos Estados Unidos... nada
de extraordinário, também. Entretanto, a data passa a fazer parte do calendário
oficial local. O conselho da cidade, exercendo o papel de votar em pautas das
quais a população majoritariamente é alienada, decide fazer de 17/07 o Killer
Mike Day ("Dia de Killer Mike"), em homenagem ao grande
rapper que de lá foi exportado para o mundo.
O prestígio que Michael Render, 42, recebe no
atual ponto de sua carreira pode ser visto como estranho. Como um rapper de
Atlanta, cidade de maior popularidade na cena atual, tantos vizinhos
rapidamente escalam até o topo do rap mainstream como ídolos da juventude e
coordenadores da explosão da trap music, e é fácil imaginar qualquer som
dissonante sendo rejeitado. O fato é que a homenagem no calendário local é só
uma das façanhas que Killer Mike atingiu com seu parceiro e igualmente
quartentão, o produtor, MC e CEO de gravadora El-P, desde que se tornaram a dupla
de rap mais consistente da atualidade, o Run the Jewels.
A união entre os artistas é recente o
suficiente para que um cenário sem sua existência possa ser imaginado. Com
ambas as carreiras iniciadas entre o fim dos anos 90 e o início do milênio,
El-P provavelmente tem mais destaque, enquanto fundador da principal gravadora
de rap independente de Nova York nos anos 2000: a Definitive Jux foi
responsável por criar uma via paralela à hegemonia de gigantes como Jay-Z e DMX
na costa leste, contando com nomes históricos do hip-hop underground, como Del
the Funky Homosapien, Aesop Rock e Murs. Killer Mike, apesar de ter uma série
de álbuns sólidos em seu nome, parecia não ter "gás" para se tornar
um artista de destaque por si só. De qualquer forma, nada como um encontro
patrocinado por um executivo responsável por desenhos animados para dar um reboot
na carreira de artistas com mais de 35 anos. Em 2011, Jason DeMarco,
vice-presidente do Adult Swim (marca pertencente ao Cartoon Network),
indiretamente escreve uma página importante na história do rap ao apresentar os
dois membros do Run the Jewels, que não pararam de trabalhar juntos desde
então.
R.A.P. Music (2012), quinto álbum solo de Killer Mike, foi inteiramente produzido por
El-P e lançado pela Williams Street Records (gravadora de Jason DeMarco), não
como a primeira colaboração integral entre MC e beatmaker possibilitada pelo
Adult Swim: com temática inteiramente centrada nas animações do canal, a lenda
MF DOOM e o produtor Danger Mouse (Gnarls Barkley) lançaram The Mouse and
the Mask em 2005. A diferença é que R.A.P. Music possui uma
identidade musical totalmente independente, sendo o sucesso que deu nova vida
às carreiras dos músicos envolvidos. O boombap futurístico encapado por pop e
elementos modernos de El-P começa a tomar o rap game de assalto quando a
colaboração vira um grupo, no álbum auto-intitulado Run the Jewels (2013),
agora com ambos assumindo o microfone. Como todo o resto da discografia, foi
lançado para download gratuito, demonstrando como a dupla entende o momento
atual do mercado fonográfico e usa a internet como um de seus pilares.
Com três álbuns altamente aclamados por
crítica e público lançados em quatro anos, a consistência dá ao Run the Jewels
o aspecto de um projeto contínuo sempre em evolução, não dando ao ouvinte tempo
para respirar. Por outro lado, a bagagem de anos de carreira pré-RTJ faz com
que a dupla soe madura, nada como novatos. Aliando o som a uma forte identidade
visual, merchandise de qualidade e contatos diversos no meio artístico, o grupo
encontra pequenas minas de ouro no mercado, como colaborações com o Adult Swim,
participações em trilhas sonoras de filmes (Baywatch: S.O.S Malibu) e
séries (Sillicon Valley), e até aparecendo como personagens do videogame
Gears of War 4, mais recentemente.
Apesar do explícito inclinamento à esquerda
política (são cabos eleitorais e conhecidos do senador socialista
norte-americano Bernie Sanders), a história escrita por Killer Mike e El-P exala
"espírito meritocrático", é coisa rara. Trata-se da história de dois
profissionais que, após anos de esforço se fodendo no mercado musical, agora,
após os 40 anos, alcançam posições significativas na Billboard e se preparam
para sua primeira turnê mundial. Uma longa trajetória completamente paralela ao
mainstream, os caminhos dos futuros novos-velhos milionários do rap.
Run The Jewels: Consistência Fora Do Mainstream - V!$H Colaborativos
Reviewed by Rafael Mafra
on
27 julho
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