Meu primeiro contato com o ye foi um pouco decepcionante. A respeito da capa, talvez um profissional de psicologia discorde de mim quando digo que a frase ‘I hate being Bi-polar/ It’s awesome’ é uma romantização do que é sofrer esse transtorno na pele. Mas falo por mim e alguns conhecidos. Definitivamente, considerando inclusive as polêmicas políticas que antecederam o lançamento, uma péssima primeira impressão.
Acompanhado da imediata experiência estética da artwork, antes de dar play no álbum, ele viria com um background externo de críticos de internet e profissionais (que sinceramente, assim como eu, são a mesma coisa). Algumas análises óbvias e dificilmente contestáveis: pequeno, sincero, visceral, feito em um mês, o mais dark do Kanye… e por aí vai. Meu maior erro ao tentar assimilar a obra. Convencido por fontes de autoridade, confiei pouco no meu ouvido e julgamento, e confesso que as primeiras escutadas foram bem desonestas. Todavia, os depoimentos me direcionaram para um caminho que logo foi perdendo o sentido.
Não sei dizer se gosto desse álbum por ser de um dos meus artistas favoritos (tenho o Graduation tatuado no braço) e os argumentos a seguir são só uma forma de me abstrair de alguma culpa (‘400 years? That sounds like a choice’). Mas se o for, estou me enganando muito bem.
Enfim, começando com a contraditória review da Pitchfork, que meteu o pau em todos os aspectos do álbum mas no final ainda deu uma nota 7.1, já tenho o gancho necessário para a discussão. No texto, o jornalista afirma que a faixa abertura de ye, I Thought About Killing You tem um título auto-explicativo. Além de ressaltar a densidade da track, ainda a chama de Ultralight Beam invertida. A comparação é fragilmente baseada no contraste de tom entre as duas introduções aos últimos dois álbuns de Kanye West, porém retiradas de seus respectivos contextos.
Analisar esse álbum, ou especificamente esta faixa, meramente como pesada é um vício de consumo que denuncia o que entendemos por ‘motivação’ na música. Como poderíamos achar uma letra sobre matar motivacional?
A classificação instantânea de conteúdo motivacional continua sendo a de um ponto a se atingir, como em Stronger ou Ultralight Beam, e não como um processo, o qual leva em consideração a condição do indivíduo e o que se pode fazer a partir dela de fato. I Thought About Killing You trata de uma superação palpável, que usa da reafirmação do próprio conflito, uma vez que na vida real, ser motivado e estar vivo não depende da sua ‘pureza mental’. ye é sim um projeto visceralmente pessoal, porém limitá-lo a isso omite algumas ideias que, embora saindo do Kanye, podem ser aplicadas e discutidas com mais seriedade. Mas claro, a partir de um discernimento de hipérboles e absurdos explícitos.
Sem dúvidas, a problemática da objetividade é um perigo no discurso do artista. Devido à sua influência, espero que ninguém (ou o mínimo de pessoas possível), comece a enxergar sua doença mental como um superpoder. Em especial na posição de Kanye, o qual reconhece seus privilégios de conseguir tratar isso a partir da música e com o auxílio que possui, diferente de muitas pessoas que passam pelo transtorno, como diz em sua entrevista de quase 2 horas para Charlamagne Tha God, locutor de rádio e co-host do programa The Breakfast Club, na Power 105.1 americana.
Nós, meros mortais, não devemos nos dar ao luxo de descartar o acompanhamento profissional (‘I don’t take advice from peopleo less successful than me’) ou nos entregarmos à mania bipolar e assumirmos nosso lado X-Men (‘That’s my super power’). Esta última, também um equívoco da crítica. Kanye em momento algum do novo disco coloca sua ‘divindade’ acima de sua humanidade como em prévios álbums (Yeezus, por exemplo). ye é um questionamento à sua própria intocabilidade, um conflito sobre o processo de que ser ‘Deus’ causou à ele como pessoa, não só figura pública. Tal visão muito bem expressada no verso de Shake 070 em Ghost Town.
Contudo, embora otimista e ilusório demais, principalmente se tratando de bipolaridade, ainda é uma análise metalinguística interessante interpretar sua doença como uma deficiência e um super poder, devido aos picos variantes da própria condição.
Utilizando de si como referência, a mensagem que trespassa ye é implícita e universal: a felicidade não é intacta, a vida real não é dicotômica, e entendê-la em sua esfera conflituosa não significa entendê-la como negativa.
The most beautiful thoughts are always inside the darkests.
Usando da singularidade do álbum, entramos em uma compreensão sobre condições mentais que não teríamos acesso sem uma expressividade ausente de filtros que traduzimos do ye. Digo, a menos que o assunto seja de seu interesse a priori, é indiscutível o alcance que a causa recebe ao ser abordada por alguém desse porte. É uma quebra do romântico nas desordens mentais na música, principalmente por estar na mesma linha temporal da ascensão do Emo Trap. É difícil, e sua tradução não hesita em mostrar isso.
Por fim, a importância do oitavo álbum de estúdio de Yeezy não é aparente perante o resto de sua discografia. Além da formatação de estrutura menor de disco, seu novo trampo também inova em uma ressignificação da representação de doenças mentais e do que entendemos como música motivacional no cenário?
Cedo para dizer, mas não duvido da repercussão disso nos trampos que virão nos próximos anos.
Coluna por Rafael Mafra @mafravillainy.
ye, doenças mentais e a música motivacional - Coluna V!$H
Reviewed by Rafael Mafra
on
12 junho
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