"House of Balloons" e o uso de samples na narrativa do The Weeknd


Em 2011, o R&B estava sacudindo os braços no meio do oceano como naquela cena do Titanic, tentando com todas as forças se manter na superfície. Após a recessão de 2008, a chegada dos smartphones e as redes sociais tomando cada vez mais espaço, a indústria fonográfica sofreu grandes baques na forma como o público comprava e consumia música. O resultado foi uma reação coletiva quase apocalíptica, e a ideia escapista de festejar e curtir cada segundo como se não houvesse amanhã inundou as letras dos hits daquele ano. 

O EDM ocupou o topo dos charts da Billboard, mas artistas globais como Beyoncé, com seu álbum "4", e novatos em ascensão, como Frank Ocean e sua mixtape de estreia, "nostalgia ULTRA", nadaram na direção oposta. Uma onda quase renascentista no R&B começou a ganhar forma e tudo fluía em torno do experimentalismo, misturas de gêneros diferentes e samples inesperadas. Em meio à toda essa correnteza caótica, um cantor canadense surgiu misteriosamente no Youtube da noite para o dia.

The Weeknd, nascido como Abel Tesfaye, lançou uma trilogia de mixtapes gratuitas em completo anonimato. O primeiro projeto, "House of Balloons" que, em 2012 ganhou uma versão remasterizada, é considerado até hoje como o melhor trabalho dele. Muito se fala dos temas abordados liricamente, da nítida influência de Prince e Michael Jackson, e da construção de uma celebridade enigmática, mas foi no uso e abuso de samples criativas que o artista encontrou inovação.

A introdução da mixtape, "High For This", escancara aos chutes as portas do melancólico e sublime para sintetizar o que está prestes a acontecer. O refrão "you wanna be high for this" se dissolve e convida o ouvinte a adentrar um espetáculo de tormento e euforia. “What You Need” se contrapõe com o instrumental denso de “High For This”, com a ajuda da sample do clássico "Rock The Boat", de Aaliyah. A música original, que esbanja sensualidade e metáforas, agora ganha uma face um pouco mais ardilosa, mas é somente a partir da terceira faixa que o projeto começa a ter sua própria excentricidade. 


“House of Balloons/Glass Table Girls” sampleia brutalmente “Happy House”, da banda inglesa de pós-punk Siouxsie And The Banshees. Em uma entrevista de 1983, a vocalista Siouxsie Sioux, quando foi comentar sobre o significado da música, disse: “É sarcástico. De um jeito igual a televisão, todas as mídias, é como propagandas, a família perfeita onde é comum que os maridos batam nas esposas. São famílias doentes na verdade. A projeção de todo mundo sorrindo, cabelo loiro, raios de sol, comendo manteiga sem engordar e todo mundo é perfeito.” Nessa faixa, The Weeknd utiliza a mesma ideia, mas a entrega de uma forma um pouco diferente. Enquanto “Happy House” critica claramente as mentiras e ilusões que a mídia prega para nos manter felizes e anestesiados, “House of Balloons” é sobre cavar a própria cova num estilo de vida libertino onde as drogas e festas que providenciam as mentiras e ilusões. 

No final da letra, Siouxsie Sioux canta sobre “estar olhando pela janela”, chegando a conclusão de que aquele lugar feliz e seguro não passa de uma utopia, e no fim ela precisa enxergar o mundo através de uma ótica realista. Essa metáfora da janela também é usada no segundo verso de “Balloons”, mas com um contexto relacionado ao vício: "If it hurts to breathe, open a window. Your mind wants to leave, but you can't go". Após esses minutos intensos, o instrumental abre espaço para uma transição e tem o pitch diminuído, e agora estamos na segunda parte da faixa. "Glass Table Girls" descreve momentos em que linhas de cocaína em mesas de vidro parecem ser um destino final.


A mixtape estabelece um fluxo dentro do seu próprio universo, e agora é a vez de "The Morning", que conta com uma produção mais adormecida, com riffs lindíssimos de guitarra e uma melodia muito mais amena. É uma continuação lírica perfeita para desmanchar brevemente a agressividade da faixa anterior. O single do projeto, "Wicked Games", mostra o lado negativo das noites perturbadoras que o cantor narra em detalhes minuciosos, e é a primeira brecha de realidade e desilusão que é exposta. Assim como "The Morning", "Wicked Games" não usa samples. 

A obscenidade explícita de drogas e festas retorna com "The Party & The After Party", trazendo a sample de “Master of None”, da duo de shoegaze e dream pop, Beach House. Os produtores e compositores que criaram a estética e sonoridade do "Trilogy" inteiro, Illangelo e Doc McKinney, reúnem forças criativas mais uma vez para fazer um ligação entre a sample e a letra da música. "Master Of None" que, em português significa “mestre do nada”, é sobre pular de relacionamento em relacionamento constantemente, mas sem ficar tempo o suficiente para que se torne algo verdadeiro e íntimo.

“The Party & The After Party” traz a sensação solitária de fim de festa do artista, quando ele parece ser o último que ainda está ali, sem ter uma casa para voltar. A faixa usa o verso “you always come to the parties to pluck the feathers off all the birds” como refrão, dando início a metáfora sobre pássaros que foi usada durante toda a trilogia. “The Party” transforma a melancolia de “Master of None” em algo dopado e burlesco. Em seguida, o projeto chega em “Coming Down”, uma declaração desolada sobre a rebordosa, a ressaca e o desejo excruciante de usar tudo de novo. A sample da fala de um dos personagens do anime "Fate/Stay Night" ecoa no fundo: “Eu queria que você não me causasse problemas. O que você está fazendo me deixa desconfortável. Você é covarde, Shirou. Você descobriu meu passado e usou contra mim várias vezes, mesmo que você saiba minha resposta, mesmo que você saiba meus pecados.”

Depois da descida inevitável, a mixtape sobe de novo até o pico mais alto da mania. “Loft Music” surge novamente com o tópico de entorpecentes, festas e claro, lubricidade. Beach House aparece mais uma vez como sample, dessa vez com a track “Gila”, uma música que fala sobre não ficar preso ao passado. A última faixa do projeto, “The Knowing”, é a descoberta de uma traição dolorosa, porém previsível. Elementos de “Cherry-Coloured Funk”, da banda escocesa Cocteau Twins, uma música que fala sobre ser motivo de piada e pena, se diluem embaixo de vocais apáticos. No epílogo de "House of Balloons", The Weeknd mostra ser o vilão e a vítima de sua própria narrativa.