Confira a conversa de Vndroid com o futuro no clipe 'Meu Tempo'


Pensando no futuro que está próximo, temos um trabalho bem cativante sendo apresentado pelo Vndroid em seu novo audiovisual. O artista tem preenchido uma lacuna pouco acessada pela cena brasileira, e volta a explorar a união da indústria cyberpunk com o vaporwave com o lançamento do videoclipe nomeado "Meu Tempo"

A produção do clipe se destaca fortemente. O trabalho foi dirigido por Gabriel Nasser, tendo fotografia de Max Chagas, com produção de Thadeu Werneck, o vídeo ainda recebe edição e direção de arte pelas mãos de Bruna Buccini

A música é mais uma produção completamente independente, com realização pelas mãos do próprio Vndroid. Confira o lançamento:


Tivemos um papo bem legal com o artista, que deixou algumas ideias claras sobre o movimento que tem abordado. Saque abaixo:

VI$H: Nos conte qual o seu primeiro contato com a indústria cyberpunk. 
Vndroid:  Kkkk acho que o primeiro mesmo seria que eu amava Matrix desde criança, sempre teve várias coisas do gênero que eu me interessava, mas acho que esse interesse começou a virar obsessão a partir de animes como Psycho Pass, Evangelion, Lain, Akira e outros. 
     Desde pequeno mesmo eu tinha mesmo um gosto por ficção científica no geral, robôs, internet, essas coisas. Acho que o Cyberpunk se tornou um interesse grande pra mim quando comecei a querer criar histórias num mundo assim e trazer elementos políticos e críticos pra elas. Enquanto a maior parte da ficção científica retratava um mundo mais avançado e melhorado pela tecnologia, o cyberpunk focava nos problemas que seriam trazidos pelo progresso, ou nas falhas e bugs dessas tecnologias, que impedem ela de ser tudo aquilo com o que sonhamos.
     Isso pra mim é importante porque a noção de que o futuro, naturalmente, vai ser melhor que o presente, é uma das coisas que mais sustenta o conformismo com o sistema capitalista. Tipo aquela ideia de "Fazer o bolo crescer pra depois dividi-lo" como os militares defendiam na ditadura, mas o problema é que o bolo nunca vai ficar pronto, é isso que o cyberpunk mostra, um bolo imenso mas cheio de falhas... Será que me perdi com essa metáfora do bolo? É tipo na minha música O Futuro: "A gente vive no futuro mas o meu carro não voa / A gente sabe fazer tudo mas a vida não é boa / A gente é progressista mas no fundo é conformista / Dedicando nossas vidas a ínfimas conquistas.

VI$H: Podemos dizer que o clipe ficou bem chapante. Como foi realizado o audiovisual da faixa "Meu Tempo"? 
Vndroid: Kkkkk cara, originalmente, o clipe ia ser só um lyric video comigo no fundo cantando a música. Em uma tarde levamos câmera, iluminação e tudo mais pra uma sala com uma parede preta e filmamos, sem muito planejamento. Na hora mesmo foram surgindo ideias do Thadeu balançar a luz em cima da minha cabeça, de colocar as mãos do Max e do Gabriel na minha cara e tal.
Mas o que mudou tudo foi quando minha amiga Bruna pediu pra fazer uns efeitos especiais digitais pro clipe, que com o tempo foram dando espaço pra mais e mais ideias que foram deixando o clipe recheado de efeitos e imagens desse universo que eu vou descrevendo na letra da música.
   


VI$H: Fez a música ou o clipe no efeito de algum entorpecente? 

Vndroid: Hahahahaha, difícil lembrar. Gravamos o clipe sóbrios, eu acho. Ficar chapado em set de filmagem acaba enrolando tudo. A Bruna deve ter estado chapada a maior parte do tempo em que estava editando kkkkk mas imagino que não sempre.
     A música, também, acho que varia. Lembro que comecei a escrever ela no meio de uma aula da faculdade. Fiz comunicação, e eu gostava muito de ir pra aulas meio viajadas sobre pós-modernidade, sociedade do espetáculo e tal chapado e ficar meio que ouvindo os conceitos doidos que os professores iam trazendo e escrevendo letras. Acho que é por isso que muitas músicas minhas acabam mesmo com um vocabulário e um formato difícil de compreender, eu ficava com mil ideias na cabeça e esse é o único jeito que eu conseguia condensar todas elas no espaço de uma música. 
     Sinto que às vezes tem expressões que não espero mesmo que o público conheça mas que, se você se interessar e for jogando cada uma dessas no google, de repente tudo começa a fazer mais sentido, como hyperlinks da wikipedia, de forma que uma frase tem 3 links pra textos que vão te dizer muito mais do que uma música poderia sozinha.
     Mas quanto a isso de drogas, no geral, acho que tem o momento pra cada coisa. Eu tomo todo dia um remédio pra TDAH, que me ajuda a focar, fumo maconha todo dia também, mas hoje em dia só de noite. Às vezes estar chapado ajuda a criar certas ideias, mas pra realizar as coisas até o final você precisa saber trabalhar mais sóbrio também, com mais organização. Mas sei lá, contando drogas e remédios é difícil entender o conceito de estar 100% sóbrio, rola às vezes, kkk e tem também vantagens e desvantagens.


VI$H: Como você acredita que seu lançamento conversa com a subcultura cyberpunk & vaporwave? 
Vndroid:  Acho que esses são os dois movimentos mais relevantes hoje na discussão sobre o futuro. O Cyberpunk mostrando um futuro caótico, deteriorado, feio e cheio de revoltas e subversão. O Vaporwave, por outro lado, demonstrando um futuro clean, cheiroso, comercial, mas vazio de sentido. Enquanto o sujeito do Cyberpunk tenta derrubar o poder estabelecido, o do universo do Vaporwave está também revoltado, mas completamente deprimido e sem esperanças de mudança.

     Sinto que hoje a gente vive mesmo um misto dessas vibes, e a música tenta trazer tanto essa revolta quanto esse pessimismo desesperançoso.

     No comecinho mesmo da música eu falo "Máquinas de guerra movidas a energia eólica", trazendo essa imagem de armas, feitas para matar, mas que usam energia renovável, o ápice da hipocrisia contemporânea. Também em "Quimera pós-moderna, nova era mesma merda" é questionada essa noção de que o mundo que vivemos hoje é totalmente diferente do passado. É diferente, sim, mas as formas de opressão ainda são as mesmas, com tecnologia extra pra fortalecer elas. No refrão também, "Eu já nasci aqui, já sei o que vai acontecer, o meu tempo é confusão, um dia isso vai explodir" e depois "Eu me permito um pequeno prazer, eu sou a cara do consumidor", eu tô tentando contrapor a urgência e caos do momento atual, em que parece que o mundo está prestes a acabar, com os desejos e prazeres frívolos em que acabamos vivendo, os pontos em que somos seduzidos por esse capitalismo assassino. É difícil querer estar sempre combatendo o sistema quando tudo é parte do sistema e não existe outra alternativa. E isso é o mais deprimente de tudo, ver que somos parte dessa merda e ela faz parte da gente.



VI$H: O uso de sintetizadores, o instrumental com referências tecnológicas. De onde veio toda essa inspiração para embarcar nesse dentro desta vibe ? 
Vndroid: Então, eu comecei a música pegando esse sample do Hurt, do Nine Inch Nails. Primeiro trouxe essa vibe mais de rock alternativo deles, mas ao longo da música você quase não ouve a guitarra original da música, fui colocando sintetizadores fazendo a mesma melodia do riff original com uma cara mais cibernética mesmo. A inspiração veio muito do próprio NIN, referência forte, mas também dessa estética que eu já tava construindo ao longo das minhas músicas. Tenho muitas referências de artistas que fazem coisas parecidas em uns ou outros aspectos, Yung Buda, Crystal Castles, alguns vêm à mente mas acho que, no geral, ninguém que usa uma sonoridade tão parecida com essa minha. 
     Eu gosto muito de samplear introduções de guitarra de músicas de rock alternativo, acho que tirei isso da galera que produz os beats do Lil Peep e essa galera do emotrap no geral, mas eu gosto de deixar a sonoridade geral mais eletrônica e menos no rock, acho que os timbres que o Edgar usa nas músicas dele são o que mais se aproximam dos que eu tento fazer.

     Mas meu objetivo geral é criar músicas angustiantes, geradoras de bad, e retratar o momento atual do mundo, a nossa geração.



VI$H: Qual a reação inicial você imagina do público ao assistir o clipe? O você pensa que pode absorvido da faixa no momento atual que vivemos? 
Vndroid: Kkkkk espero que seja positiva, né, hahahah, mas honestamente não sei bem. É uma música de difícil digestão, a letra é composta de frases meio desconexas, não é muito linear, eu vejo como sendo uma música que vai quase que pintando um quadro, ou como um filme daqueles que vai mostrando várias cenas diferentes sobre uma mesma temática, mas sem uma história muito forte conectando elas. E a temática é exatamente a do nosso tempo, da década de 2020.
    Mas acho que a sensação geral de confusão, de excesso de informação, quase pré-apocalíptica, com pandemia, instabilidade política, destruição ambiental, tudo isso, acaba transpassando fácil pra quem vê o clipe, por mais que pra entender todas as referências leve tempo. 
     A gente tá num dos momentos mais graves da história do nosso país mas parece que estamos mais apáticos do que nunca também, meio acostumados ao absurdo e conformados com um mundo que sabemos que é horrível. Eu não quero fingir que estamos prestes a fazer uma revolução, eu quero cutucar e mostrar essa situação de merda, a gente tem que ficar frustrado com o quão pouco conseguimos fazer. Aí talvez a gente consiga pensar numa proposta nova. Porque eu, pelo menos, não tenho uma proposta, e a gente não pode ficar pra sempre só criticando o que tá aí, sem sugerir nada.

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