"Kush & Orange Juice": relembre o projeto mais ambicioso do Wiz Khalifa


Antes de se tornar um símbolo ambulante de cannabis e vender mais de vinte milhões de cópias ao redor do mundo com um único single, Wiz Khalifa era apenas um jovem rapper com sonhos de grandeza que pareciam cada vez mais próximos. Em 2005, após perder um contrato com a Warner Bros, o artista assinou com a gravadora independente Rostrum Records e liberou sua primeira mixtape, “Prince of the City: Welcome to Pistolvania”. Apenas um ano depois, o primeiro álbum de estúdio do rapper, “Show And Prove”, chegou às ruas.

Apesar de ter tudo encaminhado na direção certa, o grande momento da carreira do rapper de Pittsburgh só chegou em abril de 2010, com o lançamento de “Kush & Orange Juice”. Divulgado de forma gratuita, a mixtape conseguiu pegar vestígios da melhor era das mixtapes digitais e alcançar um público grande e variado. Essa época ficou conhecida como "blog era", já que sites gratuitos e de descoberta musical como o Datpiff, Mixtape Monkeys e HotNewHipHop carregaram o hip-hop no mundo da internet e criaram ecos que seriam repercutidos anos depois, em plataformas como o SoundCloud, além de levar Mac Miller, Drake, Kendrick Lamar, J. Cole e outros artistas influentes ao estrelato. O projeto também surgiu em um período onde redes sociais estavam se tornando monopólios de fãs dedicados e mecanismos eficazes de marketing.  

A recepção do projeto foi extremamente positiva, vindo de um senso de gratificação demorada e a construção contínua de uma identidade que parecia ser comum e acessível. Em uma entrevista à Complex, a respeito de como criar antecipação para a mixtape, Wiz Khalifa disse: "Eu parti de uma perspectiva de fãs verdadeiros porque eu sou um fã de música mais do que qualquer coisa. O jogo de mixtapes é muito rápido e eu fiz exatamente o oposto disso. Eu fiz eles esperarem e foi bastante arriscado." A estratégia deu mais do que certo e, no dia do lançamento, o projeto rapidamente se tornou o trending topic mais falado do Twitter e do Google. 

Foto: Weekly Dig (2010)

"Kush & Orange Juice" também é, em sua essência, uma obra que depende fortemente do ambiente livre, autônomo e até mesmo ilegal que somente mixtapes poderiam proporcionar. Exemplificando mais a fundo, a própria capa original da obra não está presente nas plataformas de streaming, pois foi editada sem as devidas permissões, mas é uma homenagem ao álbum de 1980, “Gentleman Ruffin”, de David Ruffin, um ex-integrante do icônico grupo The Temptations. Além disso, sete músicas do projeto precisaram ser retiradas do Spotify devido a infrações de direitos autorais em alguns samples. 

A mixtape traz misturas nostálgicas de sintetizadores altos de G-Funk, flows que parecem ter sido puxados de um manual de boombap californiano e instrumentais enraizados em clássicos do underground de Memphis. Do ponto de vista sonoro, a obra é a mais ambiciosa e experimental do rapper, brincando também com outros gêneros musicais, como EDM, reggae e Cloud Rap, mas sem perder o eixo vital dos assuntos líricos. Lançado literalmente no início de uma nova década, onde pagar para ouvir música se tornava o novo desafio do momento, mas downloads pirateados ainda prevaleciam em grande maioria, "Kush & Orange Juice" marcou uma nova era do hip-hop com ajuda da cultura online que surgia na época.

“Kush & Orange Juice” navega temas e texturas diferentes com o tipo de idealismo que só poderia pertencer a um maconheiro nato como Wiz Khalifa. No projeto não há nada considerado supérfluo ou irrelevante, o artista narra sobre nunca fumar blunts com a mesma intensidade e seriedade em que fala sobre as dificuldades de fazer dinheiro. Ao lado das lindíssimas produções de Sledgren, Cardo, Johnny Juliano e Superstar O, a maior parte dos versos da obra se baseia na beleza dos momentos simples do cotidiano, garotas bonitas, festas inesperadas e sonhos sobre uma vida melhor. 

A influência da mixtape e, em especial, dos videoclipes caseiros, com filtros alaranjados e sem edições extravagantes, contribuiu para tornar o projeto um símbolo estético nas redes sociais. Afinal, vale ressaltar que naquele ano a tendência  "swag" estava se popularizando ao redor do mundo e eventualmente se tornou um movimento completo. O estilo se baseava em bonés de aba reta, jerseys de times da NBA ou da Obey, tênis da Nike em cores gritantes, calças caídas e óculos falsos coloridos. Em 2010, nos clipes do projeto ou em sessões de fotos, Wiz ostentava essa atitude melhor do que qualquer um e também ganhava notoriedade pelo seu senso de moda. 


O sucesso de “Kush & Orange Juice” levou o rapper a direcionar sua carreira do melhor jeito possível, crescendo de forma orgânica e expandindo seu espaço na indústria de entretenimento. Apenas alguns meses depois do estrondo que o projeto causou em todos os cantos da internet, Wiz Khalifa assinou com a gravadora Atlantic e teve seu primeiro hit mundial, “Black & Yellow”, um dos singles do álbum “Rolling Papers”. Um ano depois, concretizando sua reputação de stoner rapper, “Young, Wild and Free” também foi um grande sucesso e o filme “Mac & Devin Go To High School”, estrelado pelo próprio Wiz ao lado do Snoop Dogg, virou o besteirol favorito de todos os millennials com uma conta no Tumblr. 

Ainda que tenha explorado diversas facetas musicais, sucumbindo muitas vezes ao que está em alta em determinado momento, Wiz Khalifa nunca perdeu de vista a importância de honrar e reconhecer o passado. Em 2021, o álbum “Wiz Got Wings”, em colaboração com os produtores de longa data, Sledgren e Cardo, foi lançado e trouxe uma energia confiante similar a de “Kush & Orange Juice”. Apesar de se manter em pé por conta própria com instrumentais estonteantes e flows contagiantes, o projeto foi basicamente um tributo a sonoridade que definiu e moldou a carreira do rapper. 

Em abril desse ano, "Kush & Orange Juice" irá celebrar treze anos e, mesmo depois de todo esse tempo, a mixtape ainda é uma bela homenagem a todos os sonhadores que deitam com devaneios de noites esfumaçadas, garrafas de champanhe e uma vida livre de preocupações. É uma viagem nostálgica aos momentos de simplicidade da juventude que não podem ser revividos, apenas relembrados. Acima de tudo, o projeto é um registro atemporal da influência inesquecível que Wiz Khalifa um dia teve no hip-hop.