Rafão deixa uma reflexão sincera sobre racismo no single "#HASHTAGS"


O artista Rafão é mais um nome que tem usado sua voz para impactar a cena com verdades. Recebemos o rapper da gravadora PAS Música com uma nova composição sendo apresentada, trazendo um rap de grande impacto, explorando ideias sobre racismo que refletem todo o momento que estamos vivendo atualmente. 

A música intitulada "#HASHTAGS" chega causando reflexão. O trabalho conta com produção musical inteiramente assinada por Cientista dos Beats. O material promete ganhar clipe em breve, com previsão de lançamento para o mês de Dezembro. Ouça a faixa abaixo:


Confira o trabalho no Spotify: 


A VI$H teve o prazer de trocar uma ideia direta com o artista, trazendo alguns detalhes por trás do trabalho. Confira todo esse papo abaixo: 

VI$H: Para começar, nos diga quem é o Rafão. 
Rafão: Meu nome é Rafael, mais conhecido como Rafão. Tenho 30 anos, sou natural de Americana-SP e co-fundador da PAS, marca de moda, música e arte feita por gente negra. É muito recente toda minha redescoberta e envolvimento com a causa preta. É foda porque te escondem isso, você vai percebendo nos locais que você vai. Passei 25 dos meus 30 anos na igreja evangélica, e você começa a perceber que o papo é estranho, então eu sempre duvidei, e quando você dúvida você se sente culpado... é horrível. E acaba sendo muito bom se libertar disso sendo uma pessoa preta.

Assim que eu descobri a minha negritude, que eu entendi o tanto de coisa que escondem da gente, que tem história nossa escondida que eu não tinha ideia! Por exemplo, que tinham pretos Reis, que tinha riqueza no povo preto, sabe? Quando você descobre você pensa que todo mundo precisa saber... e então eu fiquei nessa neura. Então eu comecei a fazer na minha marca. Eu tenho uma marca de roupas chamada ALVS. Comecei fazendo peças para mim, depois juntou o Thiago e o Dérik e disseram para fazermos uma marca, então fizemos. Depois que eles saíram o meu meio de falar, talvez fazer meu rap, era fazendo camisetas com frases tipo “fogo nos racistas”, “i love me”, “blacking” (que remete a escurecer e também a preto rei). Acho que foi ai que eu comecei meus raps, foi ai que eu comecei minhas letras.

Claro que eu não poderia deixar de falar que eu descobri muito da nossa história pelo rap, com os rappers novos que faziam questão de falar da nossa história. Um exemplo é o Rincon Sapiência, que fala muito de ser rei, preto rei. Depois o Djonga quando fala que roubaram nossas histórias, o Emicida... eu fiquei muito impressionado com isso e comecei a fazer as camisetas. Porque falta informação, pra mim é isso. A gente precisa de informação. Eu queria estampar literalmente no peito, na cara das pessoas as coisas, sabe? E pra gente mesmo, nem pros outros verem, mas pra gente ver, a gente que é preto e entende. 

Então esse é o Rafão. É um cara com muita sede de mudança. Agora eu já perdi um pouco disso do imediato porque a gente sabe que só fazemos parte da mudança, né? É uma coisa que meu amigo Eduardo fala, a gente só faz parte da mudança... não adianta achar que vamos revolucionar tudo de uma hora pra outra sendo que vários pretos já morreram pela causa, nossos ancestrais. Só que a gente faz parte, e a gente tá querendo fazer uma boa parte dessa mudança. Então esse é o Rafão com muita sede de mudança e muita gana de fazer coisa pra gente, pro povo preto.”

VI$H: Você lançou o single "#HASHTAGS". Qual mensagem pretende passar para quem está curtindo esse trabalho?
Rafão: Já a música #HASHTAGS eu não falo mais tanto pra preto né, eu falo pros brancos, que é meio um manual anti-racista né, e eu tento mostrar caminhos mais eficazes, pra nao falar que eu sou meio irônico e debochado (risos). Porque hashtag não adianta cara, corrente de insta não adianta, é o que  a música fala. A gente precisa muito mais do que isso, a gente precisa divulgar, a gente precisa de espaço, e quem tem espaço são eles. Tipo é tão foda que a gente não quer guerra né. Eles pegaram a gente lá no nosso país, tiraram, trouxeram milhões, morreram milhões e a gente não quer vingança. Eles falam de racismo reverso né, racismo reverso seria se fosse uma vingança, mas não é isso que a gente quer. A gente quer igualdade, a gente quer andar no mesmo patamar, a gente quer espaço, a gente quer se ver. Nós somos maioria no brasil e a gente não se vê. A gente precisa se enxergar. Representatividade é muito mais do que eu, Rafão, fazendo roupas, um empresário preto. Tem que ser pelo menos metade fazendo as coisas, sabe, aparecendo nos lugares. Isso é representatividade de fato.

Então eu acho que a música é isso, é como se fosse uma dica. Você que é branco, ouve essa música, e compartilha, porque a sua voz chega nos seus. A nossa é ignorada, ou fingem que não vê, então você tem que usar sua voz pra falar com os seus. Na construção da música eu pensei que faltava alguma coisa, e foi perfeito porque eu assisti uma conversa da Luana Genot com o Luciano Huck, nessa época anti-racista e tal, em que ele abriu um espaço pra ela conversar com ele, e ela fala o que você tem de fazer pra entrar na luta anti-racista de fato. E é o que faltava pra música, eu acho. Na música eu sou um pouco irônico e debochado, mas no fim a gente colocou esse áudio dela, onde ela fala perfeitamente como ser um branco na luta anti-racista.




VI$H: Como foi o processo criativo do single?
Rafão: E para escrever a música... ela foi a segunda música que eu escrevi. Eu comecei a escrever na quarentena, tinha escrito um rap de love song, romântica, mas eu ficava nessa vontade de escrever uma coisa mais séria e um papo mais reto, que é o rap que eu gosto. Lógico que eu amo love song também, eu amo música né, mas o rap papo reto, que te entrega uma coisa, que te tira da zona de conforto, é a essência do rap. E eu tinha vontade de fazer um do tipo, e aí foi quando aconteceu o assassinato do George Floyd, importante falar que ele foi assassinado... e naquela terça que teve o blackout tuesday. Eu tava trabalhando e vi várias telas pretas, e depois do expediente quando eu abri as redes sociais e aí eu vi sobre o que se tratava, subiu logo a revolta. Acho que aí começou a letra. Por que eu escrevi um story falando que faz tempo que a gente tá falando sobre isso, que eu não acredito. E que se ta entrando na luta, eu vou filtrar mesmo. Fala muita coisa que eu falo na música, eu tenho esse story com o contexto e acho que aí começou a música.

E a letra eu escrevi em cima de um beat de jazz primeiramente. Como eu gosto muito de música eu comecei a procurar uns type beats na internet e na hora que tocou um jazz com a batida de rap eu fiquei “nossa que beat foda é esse?” Aí eu escrevi em cima dele, que foi bem difícil aliás porque tinha muita variação de instrumental, mas eu consegui escrever. Consegui entre aspas... Eu escrevi a primeira parte, até “vidas pretas importam ou vidas pretas importadas. Quando o filme é nacional, pra você não vale nada”. Depois daí foram umas duas ou três semanas travado. Faltava umas duas estrofes da primeira parte, só que pra fazer a segunda estrofe foi mais tempo. Eu não conseguia pensar em mais nada e dei uma travada, eu tenho isso. E pra começar a escrever a música, é importante falar, o refrão veio inteiro na cabeça praticamente. Eu tava com essa revolta né, meu amigo Eduardo até fala que foi um desabafo. E o refrão veio “eles postam #hashtag corrente de insta, publica tela preta e já se torna anti racista”, e fui construindo a partir daí. Eu percebi que nas letras que eu escrevo, o refrão vem praticamente inteiro na minha cabeça. E partir daí eu consigo construir. Eu já tentei escrever diferente, começar pela letra e depois o refrão, mas a maioria foi com o refrão vindo na cabeça de primeira.

VI$H: A faixa possui um instrumental em um tom bem sentimental. Consegue nos resgatar a sua primeira impressão ao escutar o beat que deu origem ao single? 
Rafão: Mas ainda falando sobre o beat, eu não usei o de jazz. Eu acabei mudando de idéia, de tanto que eu ouvi a música. Foram uns quatro ou cinco meses até gravar de fato. Só que eu eu percebi que se eu cantasse de outro jeito ficaria mais impactante. A referência de beat era “Movimento” do BK, do novo álbum dele, “Líder em Movimento”. Eu ouvia o BK e cantava em cima, aí pensei “nossa, assim acho que fica legal”. Foi aí que eu cheguei com a idéia pro Cientista dos Beats, eu falei “acho que quero assim” e cantei pra ele e ele falou “assim dá mais emoção na voz, da mais corpo”. E fica mais rápido de cantar, embora o beat traga uma emoção, um peso. Mas acho que o beat ficou perfeito pra passar o que a gente queria.

E de fato, gravando diferente, ficou mais impactante a música. E mesmo sem pensar no clipe, ela já traz uma atuação na voz, fazendo com que a música fale tudo sem precisar de imagem.

VI$H: E a gravação do clipe, nos conte como foi atuar neste processo? 
Rafão: As músicas que eu estava fazendo eu não tinha pretensão de gravar, porque eu tenho esse respeito pelo rap, e por quem já está fazendo rap. Só que eu tive muito o aval dos meus amigos que já fazem rap, e eu entendo também que eu já estava no rap há muito tempo fazendo minhas camisetas, minhas frases... e com o espírito do rap, com a ideia do rap de que se a gente vai, a gente vai junto. Eu sou amigo dos meninos do Plena Rap, um salve aliás pra DZR MC, Vitin e Felps DJ, e também pro meu mano Viluje de BH, meus manos, que desde que eu comecei a escrever eles me apoiaram e incentivaram a gravar, mas eu não tinha pretensão mesmo.

Eu tinha talvez a pretensão de gravar, pela sensação de gravar em um estúdio, porém de colocar um som na rua não. Eu achava nada a ver eu me lançar como um artista a essas horas do campeonato. Ainda é meio um sonho pra mim isso tudo o que está acontecendo. Principalmente falando sobre a gravação do clipe, porque vai ficar muito lindo o clipe. O clipe carrega mais peso ainda do que tudo o que a gente já fala na música e tudo o que a letra já diz. Pra mim foi confortável fazer, tanto gravar o som no estúdio como gravar o clipe. E eu não me imaginava atuando. E acho que consegui falar com expressão, não travei, tinha medo de travar e ficar uma coisa engessada. Mas o clipe tá lindo, feito por profissionais excelentes. Foi feito no AME Estúdio do Binho Martins, e dirigido e filmado pelo Dindi, que são incríveis, acreditaram na gente e fazem um trabalho excepcional. Vai ter muito detalhe, muito take, um clipe bem dinâmico!

A gente vai lançar a música com o lyric video, já soltar nas plataformas, mas a cereja do bolo é o clipe que sai no meio de dezembro, que vai estar lindo, com muita qualidade. A gente vai chegar muito forte com esse clipe, e eu acho que vai ser muito bonito e só vai coroar tudo o que a gente tem feito. Tanto eu como um novo cantor de rap, como também nossa marca que tem muita coisa pra fazer.


VI$H: O que podemos esperar do Rafão após esse lançamento? 
Rafão: O Rafão como rapper tem mais músicas pra lançar, eu tenho mais umas cinco músicas escritas. Eu acho que vamos seguir nesse caminho de lançar músicas novas. Como a gente trabalha com a marca através de drops por estado, valorizando artistas de cada local, o primeiro drop fizemos com artistas de São Paulo e o segundo vai ser em Minas Gerais. Provavelmente vai sair um feat de lá, com o Viluje e com mais duas ou três participações, e a gente tem tudo pra trabalhar bastante e fazer coisas muito boas. Até antes de Minas provavelmente a gente lança mais um som, só meu, já estamos vendo o beat e o Cientista dos Beats já tá no toque, e segue na mesma linha de racismo. E depois vamos colocando as musicas que eu tinha escrito e fazendo mais porque escrever vicia muito, e que bom que vicia. A próxima que nós vamos lançar acho que é a mais recente que eu escrevi, mas já to com vontade de escrever mais.

VI$H: Fale um pouco sobre o corre por trás da marca @pasroupas.
Rafão: A marca PAS é a materialização do que a gente acredita pro mundo. Nossa ideia é impactar as pessoas através do trabalho que vamos fazer, em uma marca feita por gente negra. Temos o propósito de vencer o racismo estrutural e a desigualdade social, pesado né? E acreditamos que temos um caminho de como fazer isso... é abrindo o espaço para gente negra talentosa que tá aí no corre de moda, de música, de arte. É pagando valores justos para quem trabalha na base da confecção. Temos um plano de negócios que se alcançarmos uma média de 7 mil peças por mês, nossa costureira terá um salário de R$5.000,00. Isso é distribuir renda. E nem por isso a marca vai deixar de dar lucro. Vamos lançar 4 drops por ano, todo drop acompanhando de clipe e música, e logo estaremos vendendo arte também. Tem muita coisa boa por vir, vale a pena acompanhar!


VI$H: Ser artista não é fácil. Nos relate como tem sido sua caminhada como rapper até aqui.
Rafão: Eu entendo porque toco contra-baixo profissionalmente, aprendi na igreja mas hoje toco com um amigo, Yago Rocha, que canta sertanejo então entendo bastante. Além disso tenho meus amigos do rap que fazem show na cena 019. Mais que shows, o DZR e o Felps Dj, fazem batalha de rima aqui em Americana, que é a “Batalha do centro 019”. Então eu entendo e vejo de perto as dificuldades do artista pequeno, do artista que está começando, é muito foda. Eu tenho a sorte de estar vindo com suporte, um apoio muito forte da marca né, a gente esta vindo juntos e talvez por isso eu sinta menos, isto é um privilegio muito grande, talvez essa dificuldade de não ter recurso eu sinta menos, e estes recursos estamos conseguindo expandir pros nossos amigos também e a gente tem muito trampo pra fazer. Queremos fazer coisas com o Plena Rap, vamos fazer trampos em Minas Gerais e acho que da pra abranger e da pra vir todo mundo, e é isso que é o rap é... é você ir junto com quem você acredita.

Mas eu realmente começo mais tranquilo, tenho esta tranquilidade de estar fazendo um trampo bem bonito, e coisas que eu sei que os meninos precisam conseguir vender camisetas pra arrumar recurso, planejar as coisas com um pouco mais de tempo pra dar conta dos gastos... então nada melhor do que além de conseguir me lançar é poder levar eles comigo, e não é porque são meu amigos, é porque são muito bons. Aqui no interior 019, tem uma cena muito boa de rap e vamos colocar esses caras no mapa. A gente vê a revolução de BH que é praticamente a capital do rap hoje em dia, com a maior batalha de rap do Brasil, é um verdadeiro berço de talentos... e aqui não é diferente, temos artistas muito bons e acho muito injusto artistas tão bons não serem reconhecidos, não serem ouvidos, porque eles são incríveis.

A cena de música aqui é boa praticamente em todo ramo, é que aqui os pagodeiros são meios brancos, cidade de reaça é meio estranho, mas a gente fala disso outra hora... Por exemplo eu toco sertanejo com meu amigo Yago Rocha, e ele é muito bom, é um artista incrível, eu conheço os manos da Plena Rap que estão fazendo um CD lindo, toda musica é boa, beat bom, tem a oportunidade de ter os beats dele, beat comprado ou beat que o Felps Dj fez, e está ficando lindo, eu acho importante esses caras aparecerem. E falando de outros artista tem também o DoPrado daqui também que é uma pegada mais MPB e ele tem uma voz única, tem uma entonação única, escreve muito, está fazendo feat com o Plena Rap. Se pular ali pra Campinas tem o Portelhina que é um trapper que é um garoto, eu não lembro a idade direito, mas deve ter entre 12 e 14 anos escrevendo muito, e o lema dele é trapp de mensagem, ele é um garoto branco e o lema dele é trapp de mensagem você entende? Está vindo uma galera que não é só ostentação, que não é só bagunça, e quando eu vi o Portela Trap pela primeira vez eu fiquei surpreendido, então eu acho que vale muito a pena colocar o interior de SP 019 na cena. E não posso esquecer também do Bacon que a gente gravou no estúdios do sonho na casa dele, o Bacon é outro artista fantástico que está com clipes e sons pra soltar, tá gravando uns moleques da quebrada dele lá, fazendo uns funks, tem muita gente boa aqui, e espero que todos sejam reconhecidos.

VI$H: Deixe um recado para o público musical que encontra conhecendo seu trabalho no momento.
Rafão: No mais é isso, espero muito que gostem do som, que compartilhem muito este som, é importante que você passe por exemplo para pessoas brancas, Eu vi impacto em pessoas, causam impacto que eu não sei se é positivo ou é um tapa na cara sabe, de entender o que você tem que fazer... mas causa esse impacto. Foi testado aliás, eu ouvi com uns amigos, assim que o Cientista mandou a guia quase pronta eu estava na casa minha amiga Maria e estava com duas amigas lá, a Duda e a Larissa, e as reações são bem fortes, as pessoas ficam bem impactadas, então eu acho que tem tudo pra impactar bastante as pessoas.

Por isso é importante o compartilhamento e fazer chegar em todo mundo, e não é porque fui eu quem fiz mas é porque carrega uma mensagem muito forte e espero que faça a diferença. É lógico que tem gente falando há muito tempo de tudo que eu estou falando, e eu fico vendo quanto a gente esta alinhado com os sons que estão lançando. Acho que o Favela Vive desse ano fala muito das hashtags, dessa onda de internet, e é muito legal eu estar alinhado com esses caras que estão no trampo há muito tempo, fazendo coisa foda a muito tempo. Espero que seja muito compartilhado e muito escutado, porque vai ser importante chegar em todo mundo esse som!

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