YOLA: “Como morar num templo budista mudou minha relação com a música”


Entre 2009 e 2010, comecei a me interessar em conhecer mais sobre um caminho espiritual, e acabei comprando uns livros sobre o budismo. Logo de cara, me identifiquei cem por cento e fui atrás de lugares onde poderia estudar mais a fundo. Durante essa pesquisa, descobri o Templo Odsal Ling, em Cotia–SP.

Fui visitar em um final de semana, e logo no outro, já me inscrevi para participar de um retiro que chamava “Introdução ao Budismo”. Foi amor à primeira vista. Não sei explicar ao certo, mas senti como se tivesse chegado em casa. Foi como se estivesse faltando aquilo em mim. 

A partir dali, nunca mais parei de frequentar. Me engajei como voluntário e aos poucos fui aprendendo as práticas de meditação. O Odsal Ling é de uma linhagem tibetana que se chama Vajrayana, e as práticas lá são feitas em tibetano transliterado.

Depois de diversas experiências, decidi que queria vivenciar tudo aquilo com mais profundidade, e fui morar no templo. Viver 24 horas dentro de um local com tanta história e tradição, com costumes diferentes, é intenso, e foi um dos momentos mais especiais da minha vida. Foi uma mudança completa de como enxergar o mundo — olhando pra trás, é como se tivesse trocado meu cérebro.

O templo é parte de uma organização que chama Chagdud Gonpa, fundada por um mestre tibetano chamado Chagdud Tulku Rinpoche. Ele fugiu do Tibete na década de 50, por causa da invasão chinesa. De lá foi para o Nepal, depois Estados Unidos, e posteriormente, Três Coroas, no Rio Grande do Sul. Depois de uns anos, acabou fundando o templo aqui em São Paulo.

Lá existem pessoas que moram voluntariamente, assim como eu fiquei por um período, e essas pessoas ajudam a manter toda a estrutura física e de ensinamentos. Seguimos uma escala de trabalho diária  — limpeza do templo, montagem de altar, trabalho na cozinha, jardinagem, manutenção... —, então sempre acordava umas 05h, para fazer a prática de meditação da manhã, que começa às 06h e dura umas duas horas. Depois, a cada dia ficava responsável por algum trabalho; às 18h tem a prática da tarde.

Algumas vezes você podia ser escalado para ficar na cozinha o dia inteiro, o que também me trouxe muitas vivências novas. Em alguns momentos, aconteciam retiros para mais de 200 pessoas, e trabalhar na cozinha é uma experiência incrível.

O templo recebe muitos mestres tibetanos, butaneses que fazem retiros específicos para ensinar sobre práticas e textos. Ter a oportunidade de ver esses mestres, conhecer mais sobre uma religião milenar e receber ensinamentos que vieram direto do Buda é fantástico.

Desde que comecei a estudar e praticar o budismo, e após passar esse período no templo, mudei completamente a maneira de enxergar a vida. Os ensinamentos e filosofias me mostraram um caminho que nunca tinha ouvido e visto antes. Acho que a principal mudança foi entender que tudo é impermanente — um dos pilares do budismo. Quando você passa a examinar isso, enxerga que realmente não existe nada que dure para sempre. Tudo passa, tudo muda o tempo todo.

Outro ponto que me fez refletir muito e aplicar na minha vida diariamente é que todos os seres querem ser felizes e não sofrer, assim como eu, e quanto mais você se preocupa em cuidar dos outros e em não fazer mal a nenhum ser, mais você encontrará paz pra si mesmo.

Todos os dias, tento viver com esses conceitos presentes na minha mente. Muitas e muitas vezes eu erro, mas esse é o caminho — ficar atento a como nossa mente funciona é essencial.

Eu acho que a arte e a espiritualidade estão totalmente ligadas. Qualquer trabalho artístico traz muito do mundo pessoal e mental de cada um. São vivências, histórias que carregamos durante toda a nossa vida, e que muitas vezes são materializadas em forma abstrata.

No budismo em si, a arte está em tudo. Na linhagem tibetana, a meditação conta com alguns instrumentos que dão suporte às práticas (instrumentos de sopro como gyaling, dung-chen, conchas e kanglin — tem também tambores, pratos...). A pintura também é algo muito marcante! O templo onde morei foi todo pintado a mão por artistas butaneses. As estátuas e altares também são feitos por artesãos. No Vajrayana, usamos a arte visual e auditiva como forma de suporte para a meditação e o estudo da mente.

Meu processo de produção foi influenciado por esse período que passei no templo. No meu ver, qualquer atividade criativa é um quebra-cabeça em que cada peça vem de lugares muito diferentes: do dia a dia, de histórias, perdas, conquistas, superações, etc.


O templo mudou minha maneira de enxergar o mundo e, como o mundo é um espelho da nossa mente e a música o reflexo desse espelho, acredito que influenciou em pontos subconscientes, onde as palavras não chegam, através de sensações e emoções.

Já no processo de produção em si, falando de técnicas, ralação, estudo, anos de estrada, tentativas e erros, aprendi que de nada adianta se não tiver emoção, feeling, verdade. Isso tudo, no meu ver, o budismo e essa experiência têm muito impacto na minha rotina.


Aprender a olhar pra dentro, lidar com as emoções, empenhar-se em domar a mente e pensar mais nos outros me fez tentar usar a minha música como plataforma e veículo para fazer as pessoas se sentirem bem.

Música é parte do que eu sou, é um dos pilares da minha vida. E conseguir colocar o que sinto pra fora em forma de som é uma das coisas que a fazem ter sentido.

YOLA é Diogo Siqueira, DJ e produtor paulistano. Influenciado por nomes como Four Tet, Caribou, Bon Iver e Kaytranada, já lançou por selos como Cocada Music, Get Physical e Primatas Records, e recebeu suporte de Dixon em sua playlist oficial do Spotify.




Acompanhe o trabalho de YOLA: Instagram - YouTube - Soundcloud - Facebook